valor

Não havia tempo. Sua mente estava formatada a esse pensamento. Não havia tempo, nem tão pouco um argumento que pudesse dissuadi-lo disso. Era sempre a última hora, era sempre urgente, mesmo quando se tratava daqui que morria sem ser realizado. Ele estava paralisado.

Sentia o peso da inanição sobre seu corpo. Sentia o sono da inanição sobre sua alma. Sentia as dores da inanição em seu peito. Sentia a morte na inanição de seus dias. Faminto por algo que nem sequer compreendia.

Doses de realidade transmitidas na tranqüilidade segura dos veículos de comunicação. Veja o mundo, sinta o mundo, seja o mundo, seu imundo.

Não havia paz, e assim ele entendeu o que o fazia diferente daquilo que havia sido, assim ele entendeu que não havia se perdido, apenas não possuía mais tempo pra se alimentar daquilo que o nutria tanto.

Sem tempo, sem alimento, sem paz. Aos poucos percebia o que o havia tornado incapaz. Como pode um homem ser pleno sem seu alimento, sem seu tempo, sem sua paz. Como pode um homem atingir seu ápice se não lhe é permitido saborear-se de si?

Que gosto tem suas manhãs? Que cores tem seus sonhos? Que sentimentos se esfregam em suas esquinas?

Não posso me desvincular do que fui, mas sinto que me perco enquanto lido com as obrigações amaldiçoadas do dia a dia a ferro e fogo. Me deixo distante do que havia de mais pleno e absoluto, me entrego ao fútil ao inútil, ao efêmero estado de prazer das coisas. Coisas novas, coisas belas, coisas caras.

Faces que se contradizem, minha máscara são as minhas marcas, cicatrizes que escondem o que há no meu abissal profundo. A mesma luz que guia é a luz que cega. Quem não se permite a profundeza, jamais encontra a base. Sustento do pão nosso, do bom nosso, do ter nosso, do ser nosso, do meu, meu, meu, meu, meu!

Ter.

Sentia o peso da obrigação, a pressa pra bater o ponto, pra esperar o quinto dia, pra arcar com as conseqüências de um estilo de vida, pra fazer parte. Foi mais do que fazer uma escolha, foi aceitar. Ceder. Mas não significa calar, esquecer. É temporário, tudo é. Não é?

Se não há tempo praquilo que é eterno, não há sentido em ser.